terça-feira, 11 de outubro de 2011

Doce amada

Antes de sair do quarto, fechou totalmente as cortinas, olhou para aquele corpo tão familiar, o braço direito jogado quase encontrando o chão, cabelos desgrenhados e um doce ar de sono profundo. Pensou em retornar e ajeitar a mulher na cama, mas mudou o seu intento ao ouvir a filha de nove anos chamando pela mãe.
Fechou a porta vagarosamente como se estivesse medo de fazer algum barulho, foi ao quarto da filha, pegou algumas roupas e disse-lhe que naquele dia não iria à escola e sim para a casa da avó.
Ao dirigir-se à cozinha, ouviu o celular de sua esposa tocando e correu ao quarto para atendê-lo. Não o encontrou, suava vertiginosamente e a pressa o impedia de imaginar onde o aparelho se encontrava, desistiu e retornou à cozinha. Arrumou um lanche rápido para a filha, tomou uma xícara de café velho e frio, sempre recostado no pilar.
A filha já estava pronta, a mochila nas costas e feliz pelo pai ter trocado a escola pela casa da avó, mas antes,disse que queria fazer um pedido para sua mãe. O pai, sempre prestimoso, consertou o macacão da pequena e afirmou-lhe que isso teria que ficar para depois porque sua mãe estava meio doente e iria dormir até tarde naquele dia. A filha, inocente, assentiu com a cabeça.
Colocou a filha no carro, voltou até a casa, pegou a mala que estava guardada dentro de guarda roupa e saiu, desta vez sem olhar para a esposa. Lá fora, o movimento já começava, as garagens se abrindo, crianças indo à escola, algumas senhoras varrendo as calçadas. Colocou os óculos escuros, ligou o rádio e enquanto tomava o caminho para a casa de sua sogra compassava as notas vindas do rádio com o polegar sobre o volante.
Depois de deixar a filha, pegou a estrada norte e vislumbrou uma grande reta. O dia seria bastante difícil, sua viagem duraria mais ou menos umas oito horas até a casinha de campo que alugara. Sem querer lembrou-se daqueles cabelos loiros, do pescoço de alabastro, do medo que viu nos olhos da amada, tão frágil, tão doce e agora inerte. Instintivamente, aumentou o volume do rádio e novamente o polegar acompanhava o ritmo da música, a estrada estendia-se ao longe.