sexta-feira, 29 de abril de 2011

Menino brilhante

Ele é apenas um menino, daqueles meninos que antes mesmo de praticarem qualquer travessura já se denunciam no olhar. No entanto, não é um menino travesso, por excelência, isso por que é imprevisível.
Moreno e sedutor, adjetivos que se combinam num penteado arrojado e num sorriso aberto e tranqüilo. Seria mais um menino do 9º ano se não fosse tão esperto e carismático.
A princípio, olheio-o com desconfiança, esta é a tarefa de um legítimo professor, aprendemos desde sempre a desconfiar. Mas o seu sorriso foi bem mais competente que as minhas aulinhas de português, cativou-me.
Russo, este é o seu apelido, é o que diríamos “ótimo aluno”, isto visto de um modo bem pessoal por uma professora que cisma em brincar com as palavras. Ele acompanha as aulas mas nunca deixa de ser ele mesmo
Um jeitinho meio malandro, conquistador e ao mesmo tempo preocupado com sua responsabilidade: eis o segredo do sucesso. O fato é que me apaixonei por ele. Daquelas paixões de professor que sonha em ver “um dia o seu discente ser reconhecido por todos”. É exatamente isto que eu espero. Quero que em algum dia, não muito distante, alguém me diga que o “Amoeba” é “o cara”. Isto mesmo, pode parecer estranho uma professora de português dirigir-se a um aluno desta maneira, mas infelizmente, quando a paixão desponta, o coração fala mais alto. Eu não desejo apenas que este garoto seja competente linguisticamente, desejo que seja feliz.
Aliás, desejo que os meus alunos consigam ultrapassar o verniz da palavra, alcançar a essência e mergulhar na exuberância que é ser o que se quer, sem medo, sem falsa hipocrisia.
Quantas vezes emaranhei-me por entre regras e encontrei o bálsamo para minha alma no vazio de uma página, na palavra não expressa ou mesmo no inusitado.
Lembro-me de uma certa vez em que ministrava cinqüenta aulas semanais para poder garantir o mínimo de minha dignidade e recebi um bilhete de uma aluna com o seguinte recado: “sinto falta do seu sorriso”! Desde este dia, passei a sorrir mais. Claro que trabalho menos por causa disto e, às vezes, faço verdadeiros malabarismos para que o salário chegue comigo até o fim do mês, no entanto sou mais feliz.
Mas voltando ao meu aluno, ou a minha nova paixão, quero que ele conserve a beleza da sua alma e a sua capacidade cognitiva. Quero que consiga aliar conhecimento e carisma. É muito bom vê-lo toda semana e imaginar a cada dia que sentirei muito orgulho desta figurinha daqui a alguns anos!

terça-feira, 19 de abril de 2011

Abandono

Cruzou as mãos e olhou o garoto brincando no quintal. Era engraçado como ele empurrava o carrinho por entre obstáculos imaginários reproduzia os sons, brincando de fazer realidade.
Consultou mais uma vez o relógio, já passava das seis e a mulher descascava legumes, sentada no sofá da sala, vendo televisão. Permaneceu ali, por mais alguns instantes. Abriu a geladeira e lá estava o pudim de leite condensado. Sem vontade, pegou um pratinho, uma colher e digeriu aquela massa doce e úmida. Tomou um copo de água gelada e foi para o quarto.
Como sentiu vontade de abrir o guarda-roupa mas deteve-se, não deveria ser imprudente, a sensatez e o cálculo sempre o acompanharam, não colocaria tudo a perder agora. Ouviu a mulher lhe chamando e como das outras vezes, primeiro fingiu não ouvir e depois a atendeu solícito, como era de costume. Ela pediu que ele desligasse o arroz que estava no fogão e foi exatamente isso que ele fez, desligou tudo, inclusive o fogão.
Um risinho nervoso saiu dos seus lábios e a mulher o inquiriu sobre o ocorrido, as mentiras saltavam-lhe da boca, a mulher acreditou. O menino veio do quintal correndo e o abraçou inesperadamente. As mãozinhas sujas de terra amassaram sua calça e ele nem pensou em detê-lo, apenas perguntou o que era. A criança apontou para o quintal e disse que no meio da terra havia um bicho. Vestiu-se de pai e foi ver o que era. Uma minhoquinha estava ali. O homem, de aparência calma, retirou aquele “bicho” da terra e deu uma aula de biologia para o seu protegido.
Passados alguns momentos, a mãe chega para levar a criança para tomar banho e avisa que o janta rlogo ficará pronto. Antes de dar as costas ao marido, lembra-o de que na quinta-feira é o casamento de sua sobrinha e que precisam compra o presente. Ele apenas acena com a cabeça.
A mulher sai carregando a criança, ao mesmo tempo em que lhe tira a roupa. Ao vê-la fechar a porta, vislumbrou a oportunidade que faltava. Olhou mais uma vez para o banheiro, voltou para o quarto, pegou as chaves, a carteira e saiu rapidamente. Depois de alguns quilômetros, olhando a bagagem cuidadosamente colocada dentro do carro, algumas horas antes, enquanto a esposa buscava o filho na pré-escola foi que se arrependeu, deveria ter jantado antes de ir embora.


Abandono

Cruzou as mãos e olhou o garoto brincando no quintal. Era engraçado como ele empurrava o carrinho por entre obstáculos imaginários reproduzia os sons, brincando de fazer realidade.
Consultou mais uma vez o relógio, já passava das seis e a mulher descascava legumes, sentada no sofá da sala, vendo televisão. Permaneceu ali, por mais alguns instantes. Abriu a geladeira e lá estava o pudim de leite condensado. Sem vontade, pegou um pratinho, uma colher e digeriu aquela massa doce e úmida. Tomou um copo de água gelada e foi para o quarto.
Como sentiu vontade de abrir o guarda-roupa mas deteve-se, não deveria ser imprudente, a sensatez e o cálculo sempre o acompanharam, não colocaria tudo a perder agora. Ouviu a mulher lhe chamando e como das outras vezes, primeiro fingiu não ouvir e depois a atendeu solícito, como era de costume. Ela pediu que ele desligasse o arroz que estava no fogão e foi exatamente isso que ele fez, desligou tudo, inclusive o fogão.
Um risinho nervoso saiu dos seus lábios e a mulher o inquiriu sobre o ocorrido, as mentiras saltavam-lhe da boca, a mulher acreditou. O menino veio do quintal correndo e o abraçou inesperadamente. As mãozinhas sujas de terra amassaram sua calça e ele nem pensou em detê-lo, apenas perguntou o que era. A criança apontou para o quintal e disse que no meio da terra havia um bicho. Vestiu-se de pai e foi ver o que era. Uma minhoquinha estava ali. O homem, de aparência calma, retirou aquele “bicho” da terra e deu uma aula de biologia para o seu protegido.
Passados alguns momentos, a mãe chega para levar a criança para tomar banho e avisa que o janta rlogo ficará pronto. Antes de dar as costas ao marido, lembra-o de que na quinta-feira é o casamento de sua sobrinha e que precisam compra o presente. Ele apenas acena com a cabeça.
A mulher sai carregando a criança, ao mesmo tempo em que lhe tira a roupa. Ao vê-la fechar a porta, vislumbrou a oportunidade que faltava. Olhou mais uma vez para o banheiro, voltou para o quarto, pegou as chaves, a carteira e saiu rapidamente. Depois de alguns quilômetros, olhando a bagagem cuidadosamente colocada dentro do carro, algumas horas antes, enquanto a esposa buscava o filho na pré-escola foi que se arrependeu, deveria ter jantado antes de ir embora.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Menina tansparente

No recreio, sentava-se bem perto da porta para que quando batesse o sinal, pudesse retornar com mais rapidez. Era a única menina que usava saias ao invés de calça comprida, coisa da religião de sua mãe. A diferença com as outras meninas não se resumia ao vestuário, mas também no cabelo comprido, despontado, opaco e sempre ajeitada em um “rabo de cavalo” por causa do grande calor. Vívian era silenciosa, passava a maior parte do tempo de cabeça baixa tentando não ouvir as novas piadinhas a seu respeito ou concentrando-se nos estudos. Havia uma beleza nesta menina porém estava muito bem escondida! Os pais a educaram numa religião severa de usos e costumes bem diferentes do que pode ser considerado aceitável, e a vida, em grupo, conseguia exercer ainda mais severidade em sua alma. Não tinha amigos, apenas condescendentes. Algumas meninas sentiam pena daquela garota embolorada que parecia mais uma superfície rasa, ela era quase transparente.
Naquela quarta-feira havia educação física. Enquanto tentava ajeitar o short no banheiro, Vívian ouviu algumas meninas falando sobre ela. Nada de novo, apenas os mesmo comentários tecidos com muito sarcasmo, doses de crueldade e por que não, humor. Falaram que ela deveria ter vergonha de sair na rua com aquele seu cabelo comprido de crente fanática, e quanto às saias compridas? Riram como se o comentário fosse uma piada. Falaram do seu olhar de submissão e desculpas e finalizaram dizendo que pelo menos as suas boas notas mostravam que ela era um pouco humana.
Saiu do banheiro e lançou-se sobre as meninas ciente de que iria apanhar muito. Bateu como pode, entretanto nascera para ser pisoteada. As unhas arrancavam a sua pele como um papelzinho frágil, seu rosto ficou totalmente vermelho, os cabelos, agora soltos, pareciam pertencer a algum personagem de filme de terror. Com a confusão, sua saia puída rasgou-se e as lágrimas doíam naquele rosto tão machucado de perdedora.
Claro que foi suspensa, seu pai a veio buscar, ficou de castigo, levou sermão e não tentou se justificar. Sentia raiva. Pela primeira vez sentiu brotar o lado ruim que veio junto da vergonha, da mágoa e da desilusão. Olhou para o espelho e viu a mãe anos mais nova. Sentiu ódio dos pais, da igreja, de Deus. Queria que as pessoas gostassem dela ou pelo menos que a respeitassem. Abriu o guarda-roupa e viu as outras saias espreitando-a, ouviu as vozes de “não pode isso”, “não pode aquilo”, sentiu vontade de morrer. E naquela noite foi realmente isto que aconteceu. Pegou a tesoura, cortou o cabelo, terminou de rasgar a saia que estava vestindo e por fim, rasgou toda a sua obediência.