terça-feira, 19 de abril de 2011

Abandono

Cruzou as mãos e olhou o garoto brincando no quintal. Era engraçado como ele empurrava o carrinho por entre obstáculos imaginários reproduzia os sons, brincando de fazer realidade.
Consultou mais uma vez o relógio, já passava das seis e a mulher descascava legumes, sentada no sofá da sala, vendo televisão. Permaneceu ali, por mais alguns instantes. Abriu a geladeira e lá estava o pudim de leite condensado. Sem vontade, pegou um pratinho, uma colher e digeriu aquela massa doce e úmida. Tomou um copo de água gelada e foi para o quarto.
Como sentiu vontade de abrir o guarda-roupa mas deteve-se, não deveria ser imprudente, a sensatez e o cálculo sempre o acompanharam, não colocaria tudo a perder agora. Ouviu a mulher lhe chamando e como das outras vezes, primeiro fingiu não ouvir e depois a atendeu solícito, como era de costume. Ela pediu que ele desligasse o arroz que estava no fogão e foi exatamente isso que ele fez, desligou tudo, inclusive o fogão.
Um risinho nervoso saiu dos seus lábios e a mulher o inquiriu sobre o ocorrido, as mentiras saltavam-lhe da boca, a mulher acreditou. O menino veio do quintal correndo e o abraçou inesperadamente. As mãozinhas sujas de terra amassaram sua calça e ele nem pensou em detê-lo, apenas perguntou o que era. A criança apontou para o quintal e disse que no meio da terra havia um bicho. Vestiu-se de pai e foi ver o que era. Uma minhoquinha estava ali. O homem, de aparência calma, retirou aquele “bicho” da terra e deu uma aula de biologia para o seu protegido.
Passados alguns momentos, a mãe chega para levar a criança para tomar banho e avisa que o janta rlogo ficará pronto. Antes de dar as costas ao marido, lembra-o de que na quinta-feira é o casamento de sua sobrinha e que precisam compra o presente. Ele apenas acena com a cabeça.
A mulher sai carregando a criança, ao mesmo tempo em que lhe tira a roupa. Ao vê-la fechar a porta, vislumbrou a oportunidade que faltava. Olhou mais uma vez para o banheiro, voltou para o quarto, pegou as chaves, a carteira e saiu rapidamente. Depois de alguns quilômetros, olhando a bagagem cuidadosamente colocada dentro do carro, algumas horas antes, enquanto a esposa buscava o filho na pré-escola foi que se arrependeu, deveria ter jantado antes de ir embora.


Nenhum comentário:

Postar um comentário