segunda-feira, 4 de abril de 2011

Menina tansparente

No recreio, sentava-se bem perto da porta para que quando batesse o sinal, pudesse retornar com mais rapidez. Era a única menina que usava saias ao invés de calça comprida, coisa da religião de sua mãe. A diferença com as outras meninas não se resumia ao vestuário, mas também no cabelo comprido, despontado, opaco e sempre ajeitada em um “rabo de cavalo” por causa do grande calor. Vívian era silenciosa, passava a maior parte do tempo de cabeça baixa tentando não ouvir as novas piadinhas a seu respeito ou concentrando-se nos estudos. Havia uma beleza nesta menina porém estava muito bem escondida! Os pais a educaram numa religião severa de usos e costumes bem diferentes do que pode ser considerado aceitável, e a vida, em grupo, conseguia exercer ainda mais severidade em sua alma. Não tinha amigos, apenas condescendentes. Algumas meninas sentiam pena daquela garota embolorada que parecia mais uma superfície rasa, ela era quase transparente.
Naquela quarta-feira havia educação física. Enquanto tentava ajeitar o short no banheiro, Vívian ouviu algumas meninas falando sobre ela. Nada de novo, apenas os mesmo comentários tecidos com muito sarcasmo, doses de crueldade e por que não, humor. Falaram que ela deveria ter vergonha de sair na rua com aquele seu cabelo comprido de crente fanática, e quanto às saias compridas? Riram como se o comentário fosse uma piada. Falaram do seu olhar de submissão e desculpas e finalizaram dizendo que pelo menos as suas boas notas mostravam que ela era um pouco humana.
Saiu do banheiro e lançou-se sobre as meninas ciente de que iria apanhar muito. Bateu como pode, entretanto nascera para ser pisoteada. As unhas arrancavam a sua pele como um papelzinho frágil, seu rosto ficou totalmente vermelho, os cabelos, agora soltos, pareciam pertencer a algum personagem de filme de terror. Com a confusão, sua saia puída rasgou-se e as lágrimas doíam naquele rosto tão machucado de perdedora.
Claro que foi suspensa, seu pai a veio buscar, ficou de castigo, levou sermão e não tentou se justificar. Sentia raiva. Pela primeira vez sentiu brotar o lado ruim que veio junto da vergonha, da mágoa e da desilusão. Olhou para o espelho e viu a mãe anos mais nova. Sentiu ódio dos pais, da igreja, de Deus. Queria que as pessoas gostassem dela ou pelo menos que a respeitassem. Abriu o guarda-roupa e viu as outras saias espreitando-a, ouviu as vozes de “não pode isso”, “não pode aquilo”, sentiu vontade de morrer. E naquela noite foi realmente isto que aconteceu. Pegou a tesoura, cortou o cabelo, terminou de rasgar a saia que estava vestindo e por fim, rasgou toda a sua obediência.

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