domingo, 6 de março de 2011

Eu, o cachorro e a mulher



          Parei no posto para calibrar os pneus do carro e enquanto o meu namorado verificava os pneus, deparei-me com uma mulher sentando-se no passeio com uma marmita no colo. Cabelos um pouco abaixo do queixo, um rosto encardido, blusa de frio e uma sombrinha que ela depositou ao lado. Um típico cachorro de rua sentou-se perto da mulher, um vira-lata de cor indefinida e esfomeado como todos os cachorros abandonados.
         Não conseguia desviar os olhos daquela cena: a mulher e o cachorro. Ela abriu a vasilha e com uma colher de plástico começou a devorar a comida. Vez por outra, pegava um pequeno pedaço de carne e dividia com o seu cúmplice: o cachorro. Percebi que a comida resumia-se a alguns pedaços de carne e muito arroz. Nunca consegui comer arroz puro, parece que sozinho não tem gosto de nada, mas a mulher comia colheradas e colheradas daquele arroz branco. O cachorro ficava ali, numa distância respeitosa esperando o pedaço de carne. Os movimentos eram automáticos e consistiam em vários colheradas de arroz, pegar um pedaço de carne e dividi-lo com o  cachorro.
         A noite estava nebulosa, o céu totalmente escuro e a chuva logo viria como antes. Talvez por isso, aquela mulher comia tão rápido, talvez morasse distante dali, ou mesmo precisaria procurar um lugar para se esconder. O que será que a levou para aquele lugar? Como seria a sua noite chuvosa?
         Senti um profundo desconforto, vi-me como integrante daquela cena e identifiquei-me. Não pensem que me identifiquei com a mulher, dela apenas compadeci-me, percebi-me no cachorro. Sim, aquele animal medíocre, cheio de nada que me surpreendeu porque quando a mulher deixou a vasilha ao lado, ele a comeu vorazmente. Nunca tinha visto um cachorro comer apenas arroz. Os meus cachorros sempre fuçaram a comida e descobriam apenas a carne, mas aquele não, comeu o restinho de arroz que sobrara.
         Quantos vezes alimentei-me de sobras, um restinho de vida que me lançavam, as migalhas de uma relação, o pão velho de uma companhia sem sentido. Inumeráveis dias em que sentei-me ao lado de alguém, de um jeito tão irracional quanto este canino e esperei o momento em que receberia algo.
         Fiquei alguns minutos em silêncio e quando saímos de lá, o meu namorado perguntou-me o que havia acontecido e como nunca conseguimos explicar o inexplicável, repeti o que normalmente respondo: nada.

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