sábado, 12 de março de 2011

Não é uma vovozinha



            Ela seria apenas mais uma senhora como tantas outras: viúva, muitos filhos, netos, uma vida pacata e uma velhice sem tantos luxos. Mas os acontecimentos tiraram-na da mediocridade para transformá-la numa respeitável matriarca de uma vida com tantas histórias difíceis. Abandonada pelo marido, criou os filhos “com a ajuda de Deus” como dizem as pessoas desta idade. Teve que trabalhar muito e suprir a falta que um pai faz. Anos mais tarde, acolheu não o ex-marido, mas o ex-pai, acompanhado da velhice, doença e penso eu,  também do arrependimento. Mais uma vez, reconstruiu sua cocha de retalhos.
            Há quem diga que um problema nunca vem sozinho e, na sua vida, isso não foi diferente. Bem cedo, um câncer veio fazer parte dos seus dias, corroer seu organismo mas nem ao de longe, conseguiu atingir seu equilíbrio. Não pensem vocês que farei a descrição de uma senhorinha decrépita, com aquela “vozinha” de algodão e aquele sorriso forçado de quem deve desempenhar o papel da boa vovó. Sua voz é firme como seus conceitos e todos a respeitam porque não é do tipo que manda recados. A sua vida, é mais que um simples respirar, toda ela é presença. É desta senhora, as notas de festa na confraternização em família, é dela também a última palavra em uma discussão descabida, não mais uma mulher, numa família de tantas fêmeas, é sim, a mais forte, a mais corajosa e admirável.
            Impossível não se apaixonar por ela, até o seu silêncio consegue resguardar notas de sabedoria e mesmo já com passos vacilantes, demonstra que o seu caminho ainda é comprido e não ocupa apenas um espaço no coração dos seus entes queridos, ela é a base em que todos eles se apóiam. Ledo engano quem a olha e reconhece uma mulher frágil, seus poros exalam vida, e se a disposição para os trabalhos domésticos a abandona gradativamente, o desejo de aproveitar a vida e tomar sua sagrada cervejinha persiste inabalável.
            Esses dias olhei para esta mulher e vi o quanto alguém pode ser tão amada, respeitada e incrivelmente cativante mesmo passando por tantos dissabores. Onde está o ar de abandono? O respirar oprimido do sofredor? E quanto a amargura de quem conviveu com a doença que lacera o corpo? Não enxerguei em seus olhos a sombra do medo e muito menos o arrependimento. Se esses sentimentos existiram algum dia para esta incansável mulher já fora, há muito, banido de sua alma. Não há espaço  para os cansaços de nossas falíveis figuras humanas, uma vez que consegue transcender o lago onde vive os miseráveis fracos que desistem ao ver o primeiro grande muro. Não sei quantas mulheres existem com toda esta intensidade, mas sei que, pelo menos uma, eu conheci e ela foi a responsável em formar o caráter de toda uma geração.
             

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