sexta-feira, 18 de março de 2011

Segredo no quintal




            Olhou mais uma vez pela vidraça, os últimos pingos de  chuva agora batiam no vidro multicor e o frio penetrava pelas frestas da porta suja e empenada. Correu os olhos pela sala, teve o ímpeto de buscar a vassoura, pano, sentou-se pesadamente no sofá, sua respiração era pesada e doía-lhe o peito. Fechou os olhos, tentou esquecer pelo menos por alguns segundos, esboçou um meio sorriso. Uma lágrima traiçoeira saltou-lhe dos olhos ardentes. Reencostou-se no sofá, olhou para o alto, tentou achar uma melhor posição, virou-se para a porta, desistiu de levantar-se.
            Lá fora um barulho de crianças trazia as alegrias de uma tarde de domingo, a casa estava mergulhada no silêncio. Sentia fome, sede, a noite insone roubava-lhe as últimas energias. Dirigiu-se à cozinha, riu da ideia de tomar um copo de leite, que ironia seria alimentar-se.
            O vazio agora era sentido de um modo mais doloroso, morosamente os ponteiros do relógio contabilizavam a solidão daquele ambiente hostil. Sentiu um gosto amargo na boca e pela primeira vez sorriu. Seu corpo frágil apoiado na cadeira emoldurava uma cena romântica de uma moça pálida contrastantes com os seus olhos e cabelos negros. Líria sempre teve aquele susto nos olhos como se desculpasse de existir.
            Respirou fundo, parecia que iria abrir a porta, sair, mas sentia-se trancafiada e o desejo de abandonar-se sobrepujava sua fraca vontade de ser feliz.
            O barulho de sirene soou ao longe, arregalou os olhos e levantou-se instintivamente. Foi até o quarto e pegou algumas flores murchas num vaso e encaminhou-se ao pequeno quintal. Sorriu novamente, sentiu-se dona de si, independente e cheia de vida. Parou no parapeito da porta e olhou aquele pedaço de terra com familiaridade, jogou as flores no lixo, voltou-se, estremeceu e encaminhou-se ao banheiro.
            A água morna batia-lhe no rosto, acariciava a pele jovem e morena como um abraço reconfortante, cantarolou uma musiquinha medíocre que havia cantado há quinze horas atrás, não se lembrou de nada, queria esquecer, queria esquecer-se.
            Penteou o cabelo, vestiu um lindo vestido branco, respirou fundo, olhou no relógio, já era hora de trabalhar... riu... trabalhar novamente... quanto tempo não trabalhava... Olhou para o canto da cama onde havia uma foto pequena de um bebê, uma expressão sombria cobriu sua face, olhou para a porta e conseguiu visualizar um pedacinho do quintal mas não sentiu remorsos, a terra ainda estava remexida. Tudo isso iria passar, tudo sempre passaria, pegou o batom, apressou-se porque dessa vez passaria na farmácia, de agora em diante sempre estaria prevenida. Sorriu faceiramente, não admitiria mais “acidentes” frutos do seu trabalho, resolver aquele problema foi doloroso além de demorado, já se passavam doze meses.

Um comentário:

  1. Débora Lima, adorei esse texto seu, aliás, adorei todos os seus textos! São ótimos e eu não perderei uma sequer postagem.
    Um abraço de uma nova fã.

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