domingo, 27 de fevereiro de 2011

Eu e a gramática



Folheio uma nova gramática como se folheasse um antigo diário. Descubro-me nas suas páginas como se ali tivesse registrado toda a minha vida com a caneta da memória. Percebo que algumas definições e conceitos são tão confusos e vagos como minha letra duvidosa, imutáveis como certos princípios em que acredito.
Nomeio ações e reações, quero definições, busco ardentemente um substantivo próprio que nomeie e preencha a vaguidão da minha alma. Sem me dar conta sinto-me um artigo indefinido. Quero ter rosto, busco a essência, preciso de ação capaz de tirar-me desse estado de letargia. Aprecio todas as conjugações verbais: gostar, amar, lutar, querer, fazer, aprender, apreender, sorrir, sentir...  Ah! Como sinto-me insignificante diante de um mundo tão vasto, sou um número na carteira de identidade, no título eleitoral, faço parte do censo... Ah! se eu pudesse ser um pronome, não tenho a pretensão de substituir um nome mas sim de acompanhá-lo.
Canso-me das circunstâncias que me prendem, dos lugares, no tempo fugaz e efêmero, não quero modificar o mundo, porém também não desejo ser invariável.
São os elos que me prendem à vida, ligações fortes e conjuntivas que estabeleço com os que mais amo. Gosto dessas palavras: ligação, união, dão-me a idéia de cumplicidade, exprimem compromisso, gosto dos verbos de ligação.
Não quero me limitar ao conjunto de classes, quero ir mais além, formar frases, quero ter sentido completo. Que tipo de sujeito sou eu? Às vezes me sinto simples, nunca composto, oculto para alguns e inexistente para muitos. Infelizmente, nem sempre acredito ser o sujeito, sinto-me apenas um objeto. Nesta transitividade de uma vida tão ingrata, abomino o objeto indireto por necessitar de preposição, não gosto de subterfúgios.
Sinto-me impaciente, irrequieta, passo a ver os termos acessórios e ouço o meu nome ou simplesmente a minha profissão serem gritados, quem sabe sou um vocativo? Ai! Que triste constatação! Essas interjeições que escapam da minha boca com a dor e o gemido do meu peito.
Quem sabe o que me falta são predicativos, ou o meu problema é ser apenas um complemento nominal, ou mesmo que eu consiga ser sujeito apenas na voz passiva, sujeito paciente.
Na confusão dos meus sentidos, dos meus sentimentos, peço tempo, espaço, tento dizer de algum modo o que sinto, mas me faltam os adjuntos adverbiais.
É difícil saber o meu verdadeiro papel nessa sociedade, se sou sintaticamente independente e portanto coordenada ou se me subordino a alguma oração principal.
Divagações, divagações,... sinto que a gramática é tão complexa como minha própria vida, buscando definições que não existem ou não podem ser dadas. Talvez eu seja só mais uma exceção.

Um comentário:

  1. Não se sinta só, existem mais exceções do que regras. Essa mania do mundo de ter o controle de tudo e criar regras para o que não se pode de todo compreender.

    ResponderExcluir