sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Depois de anos, retorna...

Olhando para aquele homem de cabelos grisalhos, já alquebrado, olhar meio perdido, poucas palavras, gestos lentos, não imagina a sua história. Aliás, a idade devolveu-lhe o respeito dos entes queridos, mas há alguma nota na sua aparência sóbria que denuncia sua passagem intempestiva pela vida.
Fora um rapaz cheio de instintos e que cedeu a todos com prazer e por que não dizer, com ousadia. Há quem diga “o ponto de vista é a vista de um ponto” e por isso, para alguns, a sua trajetória resume-se em: um casamento, vários filhos, uma amante e uma escolha errada.
Por outro lado, pode-se dizer que ele escolheu a parte menos árdua da vida, isto enquanto teve escolha, lançou-se nos caminhos curvilíneos por considerá-los mais excitantes. Conheceu o outro lado da vida, deve ter sido feliz? Isso já é uma outra história! Ali, sentado, ocupando novamente o posto de patriarca da família, somem-se os questionamentos.
Mas há algo diferente nele, uma dignidade áspera, não sei se esta impressão é passada pelo seu esmero em seu modo de vestir ou no orgulho que ele transmite em pequenos instantes em que cruzarmos o seu olhar. O certo é que algo de sua natureza apaixonante, talvez responsável pelos seus arroubos juvenis, ainda está ali, mesmo em meio a velhice.
Instintivamente, olho seus sapatos e me surpreendo. Sapatos comuns, que nos seus pés adquirem um outro contorno. Não me chama a atenção a cor, detalhes, mas sim como o calçado completa aquela figura de homem vaidoso, elegante e de bom gosto. Tento imaginar como fora a sua história, se há arrependimentos de ter abandonado toda a sua família por uma aventura, todavia, é inútil tentar entender aquele narciso já doente e castigado.
Há um clima de devoção no ar e percebo que apesar de não recuperar o tempo perdido, conseguiu, ao menos, reconquistar o carinho dos filhos e netos. O silêncio o marca! E quantos aos gestos calmos? Não sei se são apenas os anos que lhes pesa no ombro ou trata-se apenas de abnegação.
O fato é que ele está ali, sentado, numa tarde de domingo, almoçando com a família, sendo reverenciado por seus entes queridos, e guardando uma história que a família prefere esquecer. Quanto a ele, as lembranças ainda perpassam sua mente? Acredito que o orgulho não abre margem para arrependimentos, e ademais, cumpre o seu papel de estar no meio dos seus quando der o último suspiro.

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