sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Um encontro e um desencontro

Naquela época, ele contava vinte e seis anos, abri o portão e o vi em uma moto, pediu para guardá-la afirmando que era o seu instrumento de trabalho, tinha medo de roubá-la. Guardou a moto, entrou em minha vida. A princípio, entregou a pipoca e a coca para um programa combinado naquela mesma noite: uma sessão de filme. Enquanto eu, desajeitadamente, preparava o lanche, ele se posicionou na porta, recostado, sem timidez. Conversávamos e ele ali, na pequena cozinha entre o vão da porta e o pequeno quintal. Hoje percebo que ele sempre esteve assim – um pouco dentro, um pouco fora – da minha vida.
Enfim, fomos assistir ao filme: “Sr. Sim.” Comendo pipoca, falando de coisas sérias, firmando laços numa noite de outubro, numa sexta-feira de coincidências. O som da televisão de nada atrapalhava, aliás nem notávamos que o filme já quase ia pelo meio enquanto a conversa animava-se, não era um encontro de corpos, era uma descoberta de almas. A noite finda e já cansados, despedimo-nos.
Outras noites vieram depois daquela, quanta pipoca meu Deus, quantos filmes... copos de coca-cola... As conversas sempre deram o tom, sempre fartas, diversificadas, cheias de puxões de orelha, sorrisos, acalento. Aos poucos vieram os toques, muitas vezes discretos como quem acaba de descobrir algo novo, outras vezes apaixonantes, e o amor veio como uma brisa, calma, pensada. Talvez tenha sido este o grande problema – pensar demais.
Quantas vezes, em silêncio desejei fazer uma loucura, convidá-lo para ir em um lugar desconhecido, fazer algo impensado, deixar que vislumbrasse o que, muitas vezes, meu senso de responsabilidade, insiste em guardar. Mas a vida para nós dois não era fácil, os problemas mesmo quando eram ignorados, insistiam em fazer-nos companhia.
Mas também houve flores, lírio, cheirinho de doce de leite ninho, vento batendo no rosto na garupa de uma moto, espuma de sabonete, perfumes misturados, pele, braços e abraços, bocas e gemidos, uísque e gelo... gelo... muito gelo... ao final de uma noite escura e fria em que o laguinho tornou-se mar enfurecido, levando os sorrisos e trazendo um choro compungido e inútil.
Olho pela janela e não mais vejo a moto. Às vezes, ainda sonho com ela, o seu barulho me faz adormecer em sonhos de “conchinha” e “peitão”. Como a vida é efêmera, como não conseguimos enxergar os sinais que a natureza tão sorrateiramente nos dá. Ele sempre foi um homem de encantamentos, o seu combustível é a paixão e como se trata de algo extremamente inflamável, queima, apaga-se, vira cinzas.
Aprendi apagar documentos sem ter que passar pela lixeira, final definitivo, mas inútil quando se trata das nossas fotos. Inúmeras vezes apertei delete para logo após, humilde e arrependida restaurá-las de novo. Ah! Aprendi a fazer isto também: restaurar. Estou restaurando alguns sonhos que eu havia colocado na gaveta, revendo alguns erros, desempoeirando certas ambições, acho melhor reconstruir do que derrubar tudo de uma só vez. Acredito que se há um alicerce forte, há sempre uma reforma possível.
Eu fico aqui, nesta noite, escrevendo esta crônica e quanto a ele, certamente está vivendo um novo encantamento, talvez assistindo a um outro filme, ou quem sabe até o mesmo (ele gosta de filme repetido), quem sabe dizendo as mesmas palavras que me disse outrora, mas com aquele mesmo sorriso e sempre no vão da porta.

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